“Mas porque é que me estão sempre a maltratar?!”
- Patrícia Loução Rita
- 26 de abr. de 2018
- 4 min de leitura
Atualizado: 14 de jul. de 2018

Esta é uma excelente pergunta, como ponto de partida… porque é partir do princípio, de que existirão motivos, que serão comuns às diversas situações de maus tratos, desrespeito, etc. É considerar que não será “apenas uma questão de azar”, uma vez que são recorrentes as situações em que se sente maltratada, desrespeitada, etc.
Então quais serão os motivos comuns a todas essas situações, sendo que até se passam/passaram com pessoas diferentes?
Há uma frase, que diz: “O oprimido, antes de o ser, já o era…”, querendo significar que a pessoa oprimida, não o é apenas quando chega o opressor… ela já era oprimida, antes mesmo de existir opressor… ela já era uma pessoa insegura, dependente, com falta de amor-próprio, com uma atitude de vítima, submissa, permissiva e que não estabelecia, nem fazia respeitar os seus limites, com qualquer pessoa, que decidisse impor-lhe algo. E por isto, mesmo sem intenção e sem ter consciência, ela transmite essa “imagem”… é algo de muito subtil, que passa entre as pessoas e que emocionalmente os outros captam… todos captam, mas principalmente os opressores captam (pois ele também já o era, antes de o ser – já era opressor, antes mesmo de encontrar um oprimido… já era controlador, manipulador, com uma postura ditatorial e com dificuldade em reconhecer e por isso em respeitar, os direitos e liberdade do outro)…
E esta é uma 1ª fase, a fase inicial e de implementação… a fase que reúne as condições, para que estes dois tipos de funcionamento opostos, mas que “encaixam” como duas peças de um puzzle (que apesar de parecerem diferentes, têm em comum uma coincidência opostamente perfeita, nos seus recortes), manifestem a sua sincronicidade.
Depois, para que estas duas pessoas continuem a vivenciar a mesma experiência, com o mesmo “estilo relacional” e para que este se perpetue no tempo, é necessária uma fase seguinte – a fase de manutenção.
E há uma outra frase que diz – “são precisos 2 para dançar o tango.” – quer isto dizer que a pessoa maltratada é culpada? Que também quer passar por isso?
Nada disso. Não é culpada, porque não se trata de culpa, mas sim de coresponsabilidade… de escolhas. Continuando na metáfora, trata-se, não de ter escolhido que queria dançar aquela dança à partida, mas de reunir as condições iniciais, que criaram um “terreno fértil” para a sua implementação... e de, posteriormente, escolher aceitar que o outro lhe imponha essa dança… ainda metaforicamente falando, se para concretizar esta dança, o outro dá um passo em frente, a dança só funciona se eu der, em simultâneo, um passo para trás… ou se for para o lado e eu for para o mesmo lado… ou seja, se eu fizer a minha parte, na realização dessa dança.
Mas como é que isso se aplica, numa situação em que me maltratam (física, psicológica, emocionalmente, etc.)? Aplica-se, se uma pessoa tiver uma determinada atitude agressiva/ofensiva e a outra permitir que lidem consigo dessa forma, considerando como uma inevitabilidade, como “deve ser porque eu mereço” e portanto, como não estando presente nenhuma escolha, da sua parte.
Mas está! Está presente a escolha de achar e aceitar que “tem de ser assim… que é assim, porque sim… e o que é que eu posso fazer?”, escolhendo continuar a aceitar e subjugar-se a essa situação e arcando com as consequências dessa escolha… ou pode escolher que não é assim que quer ser tratada, que não é este tipo de relacionamentos que quer para a sua vida, que merece muito melhor e passar a definir os seus limites, tornando-se emocionalmente autónoma e independente, escolhendo não aceitar viver aquela situação e arcando com as consequências dessa escolha… ou pode escolher outra situação qualquer, tendo as consequências respetivas.
Não pode é querer fazer de conta que não escolheu, que não escolhe e por isso, que não tem qualquer responsabilidade nas consequências… ou melhor – poder até pode – pode escolher “fazer de conta que não escolheu”, mas terá as consequências, de se continuar a enganar, convencendo-se de que não está a aceitar e de que não está a permitir “ser conduzida numa dança”, que não lhe agrada e em que não é respeitada.
Mas assim, voltamos à 1ª questão – então a culpada sou eu?!
Não! Não se trata aqui do conceito de culpa, mas sim de Liberdade/Responsabilidade. Se cada um escolhe livremente adotar determinada atitude, logo é responsável por essa atitude, que escolheu tomar – cada um é responsável pela sua parte. Por exemplo, se uma pessoa a insultar (independentemente de quaisquer motivos que possa ter tido para o fazer), a responsabilidade por esse insulto é de quem insultou. A responsabilidade pela forma como reage a esse insulto é sua – seja qual for essa reação (insultar de volta, agredir, ir-se embora, não admitir mais que essa pessoa fale consigo, responder educadamente, passar a denegrir a imagem da pessoa, argumentar, etc.), a responsabilidade pela reação, será sempre de quem reagiu.
E nada disto implica que se anulem, ou ultrapassem questões legais. Nos casos que possam configurar crime, estes deverão ter o tratamento previsto na lei e em sede própria. Mas paralelamente a isto, continuam a estar presentes todos os aspetos já referidos – independentemente de se ter que agir legalmente (ou não), continua também a existir o direito de, na parte que lhe toca, escolher como lidar com a pessoa que a desrespeitou, escolher continuar, ou não, a expor-se a essas situações. “Sempre a Escolha”.
Quer isto dizer que eu tenho que ser forte e nunca me fragilizar, nunca chorar?
Nem pensar! Isto quer dizer que pode escolher proteger-se, respeitar-se (ou não), podendo também sentir-se frágil, chorar tudo o que tiver para chorar… até porque “o que viveu, está vivido e o que sentiu, está sentido” e é fundamental respeitar o que sente/sentiu e expressar isso, chorando tudo o que tiver a chorar… “fazer os seus lutos”… o que não significa que “tenha que” continuar a sujeitar-se à mesma situação.
No fundo, quando cada pessoa entender, que só está a vivenciar aquela situação, porque encaixa no estilo de funcionamento do outro e que pode escolher não continuar a encaixar, é possível (ainda que possa não ser nada frequente e pareça até uma utopia) que consigam ambos, tomar consciência e mudar em conjunto.
Ou não.
Pode também ser que apenas um tome essa consciência e decida “tomar as rédeas da sua vida” e mudar, independentemente do outro.
A escolha é de cada um!😉
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